Sergio Roberto de Oliveira é o compositor da obra mais densa do nosso programa, Dores. Eu tinha medo de o público não entender uma obra tão cheia de idéias, e tão sofrida, ainda mais o público menos acostumado a ouvir música clássica das cidades do interior. Erro meu. Parte da arte do Sergio é exatamente saber transmitir o que sente, outra parte é saber mexer nas cordas emotivas de todos nós. Só para dar um gostinho, eis aqui o texto da peça, recitado pelo Helder:
Se a dor é tanta
Que me espanta o peito
Já acostumado a tantas dores
Que cala os gestos
Orgulhosos de suas cores
Que franze o olhar
Exausto de derramar
Se a dor é sempre
Que não surpreendem as lágrimas
Numa face já inundada
Que já não se contraem os músculos
Que já não há esperança a se perder
Então o sol não nasce
E em parte alguma há de nascer
Pois seu reflexo,
Ainda que fraco, ainda que polar
Já desistiu de expulsar as trevas
Espalhadas em todo o ser.
E aqui, o que ele nos disse sobre a obra, para nos orientar na execução:
Procurei escrever uma música que mostrasse um pouco das minhas dores, utilizando um afeto diferente para cada instrumento. É bastante repetitiva, mas a cada aparição das frases, como num caleidoscópio, o resultado é diferente. A gamba representa a solidão, a espineta a dor de não caber no mundo, a flauta transversal, o cansaço de sofrer há muito tempo. A flauta doce é como o eco de todas as dores. Não é dor em si, mas é o narrador diante da dor. Seu texto fala da sensação de ter tantas dores. Depois, como se cada face dessa dor incomodasse como uma lança, como se não houvesse sequer forças para se falar delas, só restam forças para uma palavra de cada verso. Então, reflete a dor que a flauta canta. Primeiro como eco mesmo. Depois, num movimento paralelo, mas que grita mais, que amplifica a dor, que demonstra que o que se sente com a dor é maior do que a própria dor.
Aliás, cada dor aparece no movimento inverso ao do texto. Primeiro, vemos parte de cada tema, para só depois ele se estabelecer inteiro. Como se pressentíssemos a dor, soubéssemos que ela está lá, antes de vermos por inteiro. A única exceção é o cravo. Essa dor é óbvia, presente, inteira desde que se percebe ela.
O mais incrível é que tudo isso, esse caleidoscópio de sofrimento, aparece de fato na peça, que é angustiante, mas belíssima. A gente precisa sempre se concentrar antes de tocar, e mesmo nós, calejados, que já executamos a obra dezenas de vezes, sofremos a cada vez um impacto inevitável. Só isso, já é um feito. O estranho é que, como só fizemos dois concertos no Rio, e em ocasiões nada propícias, o próprio Sergio nunca ouviu sua peça ao vivo e a cores. Torcemos para que ele aprove nossa versão....
Bem, pessoal, mas hoje não deveria ser dia para falar de dores. Porque hoje é o aniversário do Sergio! Serginho, que as tuas dores sejam sempre as menores possíveis, que sejam só ecos de dores antigas. Que você componha muitas peças tão bonitas quanto Dores, mas que elas espelhem momentos de afeto e alegria. E que a tua vida seja sempre muito feliz. São os votos da turma do Re-Toques
3 comentários:
Depois de ler sobre a música Dores, fiquei super curiosa para conhecer o repertório de vcs. Espero que vcs venham logo para o Rio e eu possa assistir. Um grande abraço a todos.
Laura, Sula, Hélder e Mário:
As lágrimas que me inundam a face hoje, não são de dor. É de me sentir querido. É de ler esse recado. É de saber que minha música soa através de vocês. E que o resto de mim, a parte que não é música, ecoa na amizade de gente tão bacana. Laura, ciúme eu vou ter sempre, mais valeu a pena esperar. Um beijo grande!
A dor nos traz quando percebemos fórmulas para viver. Que o Sérgio tenha algrias infinitas. A letra é poderosa muito bonita apesar de triste.
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